Lembro-me do tempo em que se escreviam cartas,
do tempo em que se aguardava ansiosamente a vinda do carteiro...
Pegava na carta, olháva o remetente e conseguia sentir
uma presença, um gesto, um, sorriso ou uma lágrima...
A cor e o cheiro revelavam lugares, paisagens, sentimentos,
o envelope amarrotado, talvez um pouco encardido,
revelava a sua história...
Cuidadosamente, para não rasgar a carta,
abria o envelope, retirava a missiva e iniciava
a longa viagem...
Cada letra, frase ou rasura denunciava
as etapas do pensamento...
No final, buscava algo mais, uma nota de rodapé,
um vestígio de alguma coisa que desejavas ter dito
e não o disseste...
Naquela noite e nas seguintes,
a tua carta era todo o meu património,
um testemunho da minha e da tua existência...
Na manhã seguinte, pegava na caneta,
olhava o papel como se lhe imprimisse um desejo,
desenhava os meus sentimentos,
talvez desejos, talvez receios e mágoas profundas...
Num gesto único, dobrava a carta,
colocava-a dentro de um envelope personalizado,
meticulosamente colado, escolhia um selo,
olhava o relógio e corria para o marco do correio...
Olhava em meu redor, certificando-me se alguém me olhava,
colocava a carta na abertura do marco,
tendo o cuidado de escutar o som da sua queda...
Lembro-me, como era possível manuscrever uma lágrima...
Barão de Campos